Memórias de professor: 30 anos depois

Publicado em por em Artigos, Educação e Cultura

por Anselmo Colares (*)

Lembro com ternura e saudade de uma cena ocorrida no dia 15 de outubro de 1982. Faz trinta anos. Ao chegar a meu sagrado local de trabalho – a sala de aula – me deparei com uma frase enorme escrita com giz na lousa verde: “Salve o Mestre – Parabéns pelo dia do Professor”.

Enquanto meus olhos percorriam as letras caprichosamente desenhadas, eu era ovacionado por crianças em agem para a adolescência e adolescentes que ora queriam ser crianças, ora desejavam antecipar a suposta liberdade do adulto. Alguns salgados, um bolo e refrigerantes. Tudo muito singelo, mas como era feito de coração, representava a mais pomposa homenagem que eu poderia imaginar receber naquela data.

Outras vezes a homenagem se repetiu, não da mesma forma e nem sempre na mesma data, mas aqueles anos em que trabalhei na educação básica ficaram eternizados por estas e outras doces lembranças.

Percebi com o ar do tempo que nos níveis mais elementares o reconhecimento ao trabalho do professor é mais espontâneo e explícito. Desde o ano de 1994 exerço a docência em universidades, e nunca mais vivi momentos como aqueles. Mas também não sei dizer se os professores da educação básica continuam sendo homenageados.

Talvez a mudança de atitude tenha atingido a todo o sistema educacional. E se isto é verdadeiro, é uma perda lamentável para um profissional que já enfrenta a amnésia das autoridades que deveriam prestigiá-lo. Mas neste caso não me refiro a fazer festa, parabenizar ou apertar suas mãos, por mais afetuosamente que seja. Porque não basta fazer festa em um dia, e tratar mal no restante do ano.

Não basta elogiar a dedicação e o esforço, sem que haja a retribuição justa na forma de salário e de condições dignas para o exercício da profissão. Aqueles que, como eu, decidiram ser professor e permanecem sendo em meio a outras sedutoras possibilidades, acredito que o fizeram por acreditar que podem contribuir para a construção de uma sociedade melhor, na qual o conhecimento seja o antídoto contra todas as formas de opressão, de preconceitos e de inverdades.

A educação pode transformar pessoas e sociedades. O professor auxilia a transformar dados brutos em conhecimento elaborado. Faz a mediação, por meio do ensino, entre o conteúdo a ser apreendido e o ser aprendente. E tendo em vista que todos “ninguém sabe tudo, e ninguém ignora tudo”, como afirmou o grande educador Paulo Freire, somos dependentes uns dos outros, e mais ainda dos professores.

Não se pode mudar o mundo sem mudar as pessoas: mudar o mundo e mudar as pessoas são processos interligados, nos quais a educação é a força impulsora. Sem a educação não existe vida no sentido pleno. Existe tão somente a sobrevivência. A compreensão sobre o modo como funciona a sociedade, desvenda as estruturas de dominação e abre caminho para a formação crítica que permite o questionamento de tudo aquilo que se esconde sob a aparência da obviedade.

É por esta razão que a educação incomoda, pois ela pode tornar um povo difícil de governar, e impossível de ser escravizado.

Se escrevi este texto é porque fui ensinado a organizar as letras em palavras e a dar sentido a elas em frases e parágrafos. Devo isto a meus professores, e procuro retribuir ensinando com dedicação e gosto. Acredito que nisto reside a grandeza e a beleza de ser professor.

Aquele que gosta do que faz e sente orgulho pelo que realiza, é feliz. Sou professor, sou realizado, sou feliz. Parabéns aos professores que, apesar de tudo, se dedicam a ajudar pessoas a se realizarem e, por isso, merecedora de respeito e consideração.

– – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –

* Santareno, é professor universitário. Escreve regularmente neste blog.


Publicado por:

6 Responses to Memórias de professor: 30 anos depois

  • Meu amigo Anselmo Colares tem uma das principais características de um mestre da educação: a inquietude. Conheço suas batalhas dentro e fora de sala e de como ele sofreu injustiças por acreditar em pontos de vista que não condiziam com o status quo existente.

    Às vezes, até mesmo ao optar em ir na contramão da grande maioria, posicionando-se ao lado de quem podia estar no poder, ele mantinha a mesma fleugma dos visionários, dando a cara à tapa, mesmo que isso lhe custasse antipatia de alguns setores.

    Como líder estudantil, líder sindical (dos professores e dos radialistas) e líder político, Anselmo muitas vezes pagou o preço alto por suas convicções. Profissionalmente chegou ao topo da carreira e poderia simplesmente hoje estar apenas dando aulas e esperando a aposentadoria, mas continua sendo um ativista das causas nobres, às vezes até de forma que lembra um Quixote Tapajônico. Sempre tem alguma opinião sobre algo, seja na internet, seja em outro meio de comunicação.

    E continua contribuindo, ao seu modo, com a realização de eventos em sua área profissional e participando de entidades que contribuam com a organização sindical, política ou com ONgs voltadas para a cultura (ALAS) e para a história (IHGTap). Na Ufopa, mantém-se na cola da reitoria, ora concordando com algumas de suas posturas, ora questionando-as junto ao Conselho Universitário.

    Anselmo é um dos raros exemplos de cidadão dos quais me orgulho ser amigo. E através dele, parabenizo todos os professores que, apesar de tudo, mantém acesa a chama revolucionária que é ensinar outros a serem cidadãos de suas causas.

  • Professor Anselmo, as homenagens dos ainda-meninos-quase-adultos ainda estão aí, sim, a nos emocionar, a fazer valer o nosso ofício. Minhas turmas ainda me brindam com belas manifestações de carinho e respeito. Estes dias tenho repetido aos meus pares e a mim mesmo o que se pode ler nas entrelinhas do seu belo texto: “todo bom começo tem um bom professor”.

  • Parabéns professor Anselmo Colares. Um dos grandes exemplos do exercício responsavél de docência em Santarém-Pará.

  • Professor Anselmo, os alunos esperam tudo de um mestre, tu já te fizeste uma pergunta algum dia, se tu és um bom professor? Se chegaste a corresponder a expectativa dessas crianças carentes de conhecimentos, que dependem de um mestre bem capacitado e mais que isso, com vocação, pois de nada adianta, diplomas e especializações se o mestre não tem vocação para o magistério. Ensinar é uma arte cujo talento é mais de 50% da exigência dos alunos, o professor pode até ser um letrado nas maiores universidades do planeta, mas se não tiver vocação destrói diversas mentes e corações de alunos que ficam pelo meio do caminho, por lhes faltarem os bons ensinamentos e principalmente os mais adequados, pois você há de concordar comigo que tem muitos péssimos mestres.

  • Bom Dia
    Parabéns a todos os professores pelo seu dia, em especial meu irmão que é um professor exemplar, PARABÉNS MANO, que vc continue sendo esse homem digno e comprometido com seu juramento.

    Atte,
    Marcelle Junker

  • E o sr. é daqueles professores que honram a nossa classe, Prof. Anselmo! Mas o governo Dilma dá tanto valor ao docente, que hoje tem expediente normal nas federais…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *