Alenquer, terra que ninguém conhece, nem mesmo a própria história. Por Silvan Cardoso

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Alenquer, terra que ninguém conhece, nem mesmo a própria história. Por Silvan Cardoso
Alenquer, imagem aérea da cidade atualmente. Fotos: reprodução

Tradicionalmente, o aniversário de Alenquer é celebrado no dia 10 de junho, data que no ano de 1881 foi elevada a categoria de cidade, por meio da lei nº 1.050, sancionada pelo então presidente da província do Pará, Manoel Pinto de Souza Dantas. Portanto, os alenquerenses comemoram 144 anos da cidade. Mas esses 144 anos é apenas uma parte da história ximanga.

Na verdade, a cidade tem muito mais tempo de existência. Portanto, é erro dizer que Alenquer tenha somente 144 anos de história, como algumas pessoas desinformadas publicam ou afirmam por aí. Certamente que essa história ainda precisa ser mais bem esclarecida. Enquanto isso, a atual idade continua ilustrando pinturas nos muros, as artes nos outdoors e os cadernos escolares.

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Pela mesma situação ou Santarém, que até certo tempo utilizava a data de elevação a categoria de cidade (24 de outubro) para comemorar seu aniversário. O maestro e pesquisador Wilson Fonseca foi até Roma, na Itália, no ano de 1976, após também vastas pesquisas em outras instituições, para que publicasse posteriormente artigos comprovando que Santarém foi fundada no dia 22 de junho de 1661.

Se não fosse por essas buscas, os santarenos quem sabe até hoje estariam comemorando “apenas” 177 anos em 2025, quando no ano de 1848 foi elevada à categoria de cidade. Da mesma forma se encontra Alenquer, com uma idade tão curta para uma cidade histórica, rica em narrativas, cheio de personagens do ado e com prédios icônicos do século XIX ou até de épocas mais remotas.

Alenquer ontem: banhada pelo rio Surubiú

Uma das fontes mais utilizadas para se contar a história de Alenquer é o livro “Município de Alenquer – Seu desenvolvimento moral e material – Estudos históricos e geográficos”, do historiador Fulgêncio Simões, publicado em 1908, pela livraria Loyola, de Belém.

No livro, Fulgêncio Simões propõe que a fundação de Alenquer tenha sido no dia 13 de junho de 1729. Na concepção do pesquisador, acredita-se que a fundação tenha sido justamente nesse 13 de junho por ser costume dos missionários da época escolherem o santo do dia de fundação como patrono daquele local.

Logo, se Santo Antônio sempre foi padroeiro de Alenquer, é provável que a fundação da cidade tenha sido no seu dia litúrgico, ou seja, 13 de junho.

Entretanto, pesquisadores, como Luiz Ismaelino Valente e Wildson Queiroz, discordam que a fundação tenha sido no ano de 1729, como supõe Fulgêncio Simões. Para eles, a fundação teria sido muito antes disso.

Fulgêncio Simões
Luiz Ismaelino Valente

De acordo com o transcrito do livro “Alenquer, um sorriso de Deus feito cidade”, de Luiz Ismaelino Valente, 1729 “foi apenas o ano que o capitão-general Alexandre de Souza Freyre, presidente da província do Grão-Pará e Maranhão, expediu o ofício ao rei de Portugal, denunciando o ‘ato criminoso’ imputado aos missionários, e não, necessariamente, ao ano de fundação”.

Mas qual seria esse “ato criminoso”?

Foram os capuchos da província de Nossa Senhora da Piedade que, nos primeiros anos do século XVIII, promoveram o descimento dos indígenas da etnia barés ou abarés, vindos da missão Curuá, e de indígenas do rio Trombetas para um local situado à margem do rio Surubiú, na confluência com o igarapé Itacarará, onde foi fundada a aldeia Surubiú ou Surubiju.

Foi justamente esse descimento dos indígenas que foi considerado um crime contra os interesses da Coroa Portuguesa, o que fez ocorrer, tempos depois, a denúncia por meio do oficio de 3 de outubro de 1729.

Tanto Luiz Ismaelino Valente como Wildson Queiroz concordam que um documento deixado pelos franciscanos em 1720, o relatório das missões, enviado ao rei de Portugal, que comprova que a missão de Santo Antônio ou missão do Surubijus ou missão de Santo Antônio de Surubiú (que mais tarde originaria Alenquer), já constava na relação de missões no Pará.

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Entretanto, Wildson Queiroz, em uma publicação nas suas redes sociais, afirma que a história de Alenquer teve início no ano de 1694, enquanto Ismaelino Valente concorda que a fundação da Princesa do Surubiú tenha sido antes de 1720, sem afirmar um ano certo.

De todo modo, a história de Alenquer surge entre os últimos anos do século XVII e início do século XVIII, fazendo com que seus moradores, estudantes, educadores e pesquisadores, todos os anos, atuem como possíveis “descobridores da origem ximanga”.

Benedicto Monteiro, escritor

Mas já é tradição anualmente se comemorar o aniversário de Alenquer no dia 10 de junho, data que já virou música, poesia, promoveu inúmeros eventos e ficou na memória de muitas gerações alenquerenses, além de fazer parte da programação das festividades de Santo Antônio, a época mais aguardada pela maioria dos alenquerenses que moram na cidade ou em qualquer outro lugar do mundo.

São 144 anos de elevação à categoria de cidade em 2025, mas são mais de 300 anos de fundação, de uma cidade regada de mistérios até mesmo sobre a sua origem e que ainda faz valer os versos iniciais do seu hino, escrito por Benedicto Monteiro: “Alenquer, Alenquer, terra que ninguém conhece…”.

Wildson Queiroz, historiador

❒ Silvan Cardoso é poeta, cronista e pedagogo nascido em Alenquer, no Pará. Escreve regularmente no JC. Leia também dele: Alenquer, 143 anos: quem come seu acari não quer mais sair daqui. E ainda: Canhoto, o dono do lanche que virou point em Alenquer; vídeo.

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