O meu AVC em prosa e verso

Publicado em por em Artigos, Saúde

por Evandro Diniz (*)

Aconteceu, não sei como. Tudo teria sido sem maior importância, se não tivesse o mérito até de ser noticiado no periódico mais lido do oeste do Pará, exatamente pela pena fulgurante do Jeso Carneiro, edição de 06/12 de março corrente, em página cabalística 07 do Jornal “GAZETA de Santarém”.

Estava convenientemente vestido, apenas esperando meu filho Eduardo e minha mulher Ivete, para sermos levados à recepção de aniversário pós-posse na chefia da Casa Civil do Governo do Pará, do meu amigo Everaldinho Martins. Pretendia, na oportunidade, entregar-lhe o soneto de autoria do poeta bragantino Rodrigues Pinagé, para recitação reservada, intitulado “Bilhetinho a Pai Noel”, que ele e o meu outro amigo Alexandre Wanghon tanto apreciam.

Encaminhava-me para atender quem chegava à porta do apartamento quando, inopinadamente, vejo-me pairando sobre o meu próprio corpo que estava arriado sobre o assento de uma poltrona da sala, de barriga para baixo, pernas projetadas para traz e braços pendurados para frente..

Meu filho e minha nora batiam à porta, pressionavam o botão da campainha e ninguém atendia, até que a minha esposa Ivete chegou com a chave, abriu a porta e depararam com a situação.

Constatando o meu desfalecimento, convocaram o meu outro filho que reside próximo, o Evandro Jr, para carregarem-me (70 quilos) em transporte de aluguel, para o Hospital Porto Dias, visto que a ambulância somente poderia ser liberada em prazo superior a uma hora. Essa assistência imediata foi decisiva.

No meu corpo apenas estava o meu subconsciente, visto que o meu aspecto consciente levitava observando tudo, em companhia de um outro espectro que se me apresentou como Hahasuah, cuja guarda a Piedade Divina me confiara que foi logo me persuadindo, metafisicamente, de que ali estava apenas para iluminar-me o espírito sem qualquer indução hipnótica ao meu livre arbítrio.

Perdido, momentaneamente, o vínculo consciente com o meu corpo inconsciente vaguei na companhia etérea do meu Zeloso Guardador, estive no local onde ocorreria a festa aniversária do Everaldinho e, por ser ainda mais ou menos 21:30 horas, o homenageado não havia chegado da solenidade da sua posse e, talvez por isso, poucas pessoas encontravam-se no local.

Uma força imponderável compelia-me na busca pela direção do entroncamento da BR e Hahasuah revelava impulsos no mesmo rumo fazendo-me entender, mesmo no seu silêncio, de que ninguém morre antes do tempo e, assim, por não haver chegado, ainda, a minha hora, fazia-me perceber que o meu corpo começava a reclamar a minha consciência.

Instantaneamente encontrou-se, frente a frente, com o inevitável: de um lado a matéria inconsciente presa por tênue filamento etéreo ao meu ectoplasma impalpável, mas consciente. Os meus neurônios corpóreos já haviam sido submetidos a uma tomografia computadorizada, a minha plásmica substância já havia sido subtraída e submetida a análises clínicas e, diante dos resultados decretado um diagnóstico: ISQUEMIA CEREBRAL TRANSITÓRIA.
O que é isso? É o déficit neurológico causado pela diminuição de suprimento sanguíneo para a área do cérebro. Quais as causas? As causas das isquemias cerebrais transitórias estão relacionadas com o baixo fluxo sanguíneo e diminuição da oxigenação para o cérebro. A forma grave é quando a isquemia perdura por horas ocasionando seqüelas graves no funcionamento de órgãos e membros e até a morte. A causa transitória é quando a isquemia perdura apenas minutos podendo o isquêmico ser recuperado com o socorro imediato e tratamento médico adequado. Foi o meu caso.

Ao retornar à consciência encontrei-me na UTI do Hospital Porto Dias, em uma cama estreita tipo maca lateralmente gradeada, rigidamente com os braços e pernas presas para que não me debatesse, com uns tubos plásticos introduzidos nas narinas pelos quais me era ministrada a oxigenação sanguínea; uma porção de pequenas ventosas aplicadas pelos pescoço e caixa torácica nus ligadas por uma fiação a um equipamento de acompanhamento da minha freqüência cardíaca e mais um litrão de soro potássico alimentando-me paulatina e inexoravelmente por uma de minhas veias do meu braço esquerdo. A essa altura Hahasuah havia desaparecido não mais voltando a ar comigo.

Mas. se há no mundo coisas abomináveis, também existem as compensações deleitosas. Não há dúvidas de que a jovem e competente médica que me atendia, aquela altura, de beleza e simpatia estonteantes, era digna de desfilar em um concurso de Miss Universo. Não menos inebriante era a mulataça (e olha que eu gosto de mulatas) de enfermeira que permaneceu, quase todo tempo, ao meu lado fiscalizando, carinhosamente, a absorção da emulsão de potássio e, de hora em hora, pesquisando a dosagem de glicose no sangue, a pressão arterial e a freqüência da pulsação. As furadinhas que ela me aplicava nos dedos, longe de me parecerem dolorosas, mas se me afiguravam como carícias deliciosas.

Ao amanhecer do dia seguinte, consideradas superadas as crises do AVC (foram duas seguidas), fui transferido da UTI para uma das suítes do hospital, ando para a supervisão de outros médicos, com prescrição de novas anamineses, permanecendo somente a aplicação do soro. Mas, aí, já são outras conversas.

Agradeço a visita que me foi feita, no hospital, pelos diletos primos Peterson e Emília (Milica) Diniz, com quem nem pude falar, pois ainda estava inconsciente, ao meu afável sobrinho Dudu Dourado pela nota colocada em seu Blog, chamando-me de querido tio e a esse arauto da esperança, da fé e do amor, Jeso Carneiro, pela distinção de noticiar, com ilustração e destaque, em sua erudita página deste nobre hebdomadário, o momento infausto por qual ei que, espero, jamais se repetirá.

—————————————————-

* Santareno e isquêmico recuperado.


Publicado por:

7 Responses to O meu AVC em prosa e verso

  • O Professor Evandro é mesmo uma pessoa irável. Consegue fazer poesia até em meio a uma situação dramática.

    Nunca me esquecerei da lições preciosas do mestre e principalmente da dedicação que ele teve com a Turma de Direito 94, da qual fiz parte.

    Que Deus te conceda muitos anos de vida, Professor, mais com muita saúde e bom humor, esse último, traço que distingue a sua personalidade.

    Um abraço.

    Mirian

  • Prof. Evandro,

    fico muito feliz com a sua recuperação.
    Um alívio para nós, iradores do grande professor.
    Um forte abraço.
    Jarson Joel (Turma de Direito da UFPA – 94)

  • Não vejo á algum tempo, vc é uma pessoa que sempre irei por sua tranquilidade e profissionalismo que sempre tratou tudo que lhe rodeia, além do orgulho de ser santareno, um grande abraço estou torcendo por sua recuperação.

    Betinho lembra como sempre me chamou de beto rockfele

  • Desejo-lhe pronta recuperação.
    Hoje conheci o seu texto e espírito.
    Continue nos brindando com suas experiências.
    Saúde.

  • Amigo e professor Evandro,

    Quando li a notícia, aqui no blog do Jeso, sobre o AVC que lhe atingiu, me veio uma grande tristeza e imediatamente me recordei das suas aulas de Direito Civil, na Ufpa (turma de Direito 94 da qual, por motivos alheios à minha vontade, fui jubilado), Campus de Santarém. Hoje, na FIT (onde retomei meu curso e espero concluir) seu nome entrou numa conversa nossa e eu perguntei a ele sobre o seu estado de saúde. Fiquei muito contente quando ele me disse que o senhor havia melhorado. “graças a Deus”, disse eu. Agora, tive a satisfação de ler o seu artigo (uma verdadeira obra literária), contando detalhes da doença que lhe atingiu…
    Que bom saber que você está bem e que isso não ou de um susto. Sua saúde, com certeza, continuará firme como sempre foi.
    Um grande abraço.

    José Ibanês

  • Mestre Evandro

    Ficamos precupados com a notícia desta pequena pedra no seu caminho. Graças a Deus o alívio veio com a notícia da sua recuperação.
    Ainda tentei, aqui pelo blog, saber o endereço para uma visita, infelizmente a informação não veio, mas, agora, isento da emoção do momento, acho que até foi bom já que uma visita ao senhor sem uma cervejinha e as deliciosas histórias, como na época da UFPA, não seria a mesma coisa.
    Resta agradecer e pedir por uma recuperação completa. Estaremos sempre torcendo para o senhor.
    Um forte abraço.

  • Mestre Evandro,
    Fico muitíssimo feliz com a Vossa recuperação. Estamos preparando uma pequena comemoração de nossos dez anos de formatura (Turma Direito 94 da UFPA) e contamos com Vossa presença física no evento.
    Um abraço,
    Marcos Antonio dos Santos Vieira (Marcão)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *