Licitações e microempresas

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por Milton Marques (*)

Sempre que me deparo com uma informação jornalística relativa à esfera pública, principalmente, a municipal, no campo do direito istrativo e, na área das licitações e contratações: redobro meus esforços em resgatar meus aprendizados e, procuro examinar de “per si”, com imparcialidade, o tema abordado no momento.

Nesse mister, frequentemente, identifico questões (atos e fatos jurídicos e istrativos) que, de alguma forma, não são devidamente acauteladas pela istração Pública, preventivamente, a quando da realização da “seleção da proposta de preços mais vantajosa” aos contratos de seus interesses.

Tiro minhas conclusões e as guardo para mim, somente.

Mas, pensando bem… Por que não socializá-las ou submetê-las ao buril crítico de outras pessoas também técnicas ou conhecedoras dos assuntos e, assim, produzir materiais que possam elevar o conhecimento geral e, concomitante, exercer a prática cidadã vigente no Estado Democrático de Direito?

Nesse sentido o a discorrer sobre a publicação postada nesse conceituado blog, intitulada “Licitações milionárias”.

Vejo no caso em análise, onde o leitor Paulo Afonso interroga, para manifestação estupefata do senhor Antônio Junior, quanto à possibilidade de uma empresa, na qualidade de Micro Empresa (ME) – poderia até ser Empresa de Pequeno Porte (EPP) – ganhar licitações em valor acima de R$-10.000.000,00 (dez milhões).

A questão mais importante a ser apreciada, nesse momento, caros leitores, não reside no questionamento suscitado, que é simples de responder: a ME ou EPP pode sim contratar, até na esfera das centenas de milhões.

Mas, o que deve ser considerado em questões semelhantes, reside, isso sim, nos antecedentes legais preliminares e exigíveis às ME’s e EPP’s, para contratar com a istração Pública, nos termos da Lei Complementar nº 123/06 e suas alterações posteriores; bem como, das exigências requeridas pelos art.s 28, 29, 30 e 31, todos da Lei nº 8.666/93, conforme o a discorrer, sucintamente, sem a pretensão de seu esgotamento.

Inicialmente, cabe esclarecer que o enquadramento empresarial (constituição jurídica da empresa ou seu registro civil de pessoa jurídica) na qualidade de ME ou EPP, deve observar as orientações da LC nº 123/06, alterada pela LC’s 127/07 e 128/08, que, dispõem sobre o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, dentre outros normativos legais, onde, em seu art. 3º, assegura, verbis:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I – no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);
II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).

Isso posto, como se depreende da norma acima, a condição primeira para enquadramento de empresas na condição de ME ou EPP (seja sociedade empresária, sociedade simples e o empresário), está adstrito à sua receita bruta anual, que, convenhamos, apresenta-se como de baixo o valor, ou seja, de apenas R$-240.000,00.

Mas, insta salientar, que, o fato da pessoa jurídica ter “nascido” como ME ou EPP, não significa dizer que, a mesma não possa desenquadrar-se dessa categoria, ou seja, deixar de ser ME ou EPP, no decorrer do exercício financeiro de suas atividades.

Aliás, essa realidade é, por demais, presente, em razão dos faturamentos que a mesma aufere, decorrente de seus contratos celebrados (com particulares e, principalmente, com a istração Pública), com suas vendas, negócios em geral etc..

Ressalto ainda que, enquanto ME ou EPP, as empresas, sejam licitantes ou não, gozam de várias vantagens que, aqui não convém salientarmos. Mas, importante é frisar que, ocorrendo o seu “desenquadramento”, por força de sua nova receita bruta, alterada pelas atividades acima, a ME ou EPP, há de se submeter à novos regramentos legais, ando assim a recolher os seus tributos e demais obrigações, por exemplo, de forma adequada à sua nova realidade (aumento de alíquotas etc.).

Para falar sobre esse tema, mais apropriadamente, temos os contabilistas e outros profissionais mais habilitados, o que não é de nosso feito.

Dessa norma complementar em questão, especificamente, como “conditio júris e sine qua non” de participação em processos licitatórios, deve a ME ou EPP, obediência às regras do art. 3º, mencionado retro, em especial, apresentando documentação de que cumpre com as disposições do §4º, do citado normativo, mediante a apresentação de DECLARAÇÃO expressa, de seu enquadramento nessa categoria, assinada pelo responsável legal da empresa licitante, beneficiando-se, complementarmente, das disposições dos artigos 42 e s/s (até o 49), todos da mesma norma (Do o aos Mercados – Das Aquisições Públicas), tudo isso, em consonância ao preceito insculpido no inciso IX, art. 170, da Lei Maior, verbis:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e istração no País.

É sabido, conforme afirmamos acima que, esse desenquadramento pode ocorrer a qualquer instante do exercício financeiro, mas, muitas empresas ostentam juridicamente sua formação inicial, na condição de ME ou EPP – embora não mais o sejam por conta de sua nova receita bruta – tão-somente, para se beneficiar das vantagens concedias pelo nosso ordenamento jurídico; participando de licitações nessa condição e ferindo de morte os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia, competindo com outras empresas que sucumbem diante de tais “facilidades”.

Ou seja, resumidamente: a empresa “nasce” propositadamente como ME ou EPP; concorre, usufruindo de todos os benefícios, nessa condição, das licitações levadas a efeito pelo Poder Público; vence as disputas, celebra ao longo dos anos, vários contratos em nível municipal, estadual e federal; extrapola os limites legais de seu enquadramento porque não atualiza os seus dados empresariais e contábeis perante as JUCEPA’s que, atuam com base no princípio da veracidade das informações prestadas; continuando, assim, com a roda viva das ilegalidades, porque, infelizmente, não existe ainda um mecanismo, instrumento ou ferramenta, capaz de cruzar essas informações públicas contratuais (somando-se com as de origens privadas) que, identifique de plano, o “statu quo” desses sujeitos, no momento da abertura das licitações.
Saliento de pronto que, a existência de “Registros Cadastrais” para exame prévio das condições de habilitação dos licitantes, não atendem plenamente esses quesitos.

Conforme enunciado anterior, a istração Pública “acredita” na DECLARAÇÃO apresentada pela licitante ME ou EPP, de que a mesma cumpre e se enquadra nas disposições da LC nº 123/06, sem, efetivamente, sê-lo.

Parcialmente, esse problema poderia ser resolvido se, ao licitar, a istração pedisse e examinasse com cuidado, confrontando-se e compatibilizando com o objeto editalício (aquilo que será contratado), os documentos de habilitação prelecionados nos artigos 28, 29, 30 e 31, da Lei nº 8.666/93, a saber, os documentos de “habilitação jurídica”, “qualificação técnica”, “qualificação econômico-financeira” e “regularidade fiscal”.

Como nem sempre se dispensa um olhar minucioso para essas recomendações, ocorrem casos de empresas participarem de licitações na qualidade de ME ou EPP, de forma fraudulenta, não estando as mesmas cientes das implicações de natureza istrativa, cível e penal que isso lhes podem acarretar.

Essa prática ilegal de participação, já foi objeto de exame pelo Tribunal de Contas da União – TCU (TC-008.721/2010-6), que se posicionou na forma abaixo:

“Representação intentada junto ao Tribunal cuidou de possíveis irregularidades praticadas por empresas que, supostamente, participaram de forma indevida de licitações públicas na condição de microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP), contrariando a Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) e o Decreto 6.204/2007. Neste quadro, foi promovida a oitiva da empresa Comercial Vencini Ltda., pelo fato de, aparentemente, ter-se beneficiado, indevidamente, do enquadramento como pequena empresa. Ao examinar os argumentos apresentados pela empresa, o relator registrou que, “comprovou-se que seu faturamento bruto era superior ao limite estabelecido para o enquadramento como pequena empresa” sendo que a empresa não solicitara a alteração de seu enquadramento e ainda participara de procedimento licitatório exclusivo para micro e pequenas empresas, vencendo o certame e beneficiando-se de sua própria omissão. Desse modo, ao não solicitar seu desenquadramento, a empresa beneficiou-se, indevidamente, da condição de ME ou EPP. Em razão disso, votou o relator por que se sancionasse a empresa com a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a istração Pública, pelo prazo de seis meses, sem prejuízo de ementar o entendimento de que “a participação em licitação expressamente reservada a microempresas (ME) e a empresas de pequeno porte (EPP), por sociedade que não se enquadra na definição legal reservada a essas categorias, configura fraude ao certame”.

De outra banda, cumpre destacar que os requisitos de “habilitação” exigidos nos artigos 28, 29, 30 e 31, da Lei nº 8.666/93, poderiam sim evitar ou, pelo menos, dificultar a participação ilegal de ME’s ou EPP’s nos processos licitatórios da istração. Isso dependerá de quem formule as regras editalícias do caderno da licitação (a lei se cala quanto a essa atribuição) que, posteriormente, são examinadas e aprovadas ou não, pelo setor jurídico competente, por força do parágrafo único, art. 38, do Estatuto das Licitações.

Finalmente, ratifico que não estou afirmando com isso tudo, que, as licitações e contratações efetivadas pela Seminf (Secretaria Municipal de Infraestrutura) de Santarém, consoante matéria e comentários desse blog, ocorreram ao arrepio da lei ou, que, a empresa vencedora não ostentava ou ostente legalmente a sua condição habilitatória de ME ou EPP, dela beneficiando-se nos processos licitatórios, nos quais participa.

Ratifico que essa condição de idoneidade e qualificação, deve permanecer em dia, durante toda a vigência do contrato celebrado (inteligência do inciso XIII, art. 55, da Lei nº 8.666/93).

Pretende esses apontamentos, trazer a lume alguns esclarecimentos oportunos e, chamar atenção das autoridades ordenadoras de despesas, para essa prática reprovável e ilegal de alguns licitantes, devendo aquelas, acautelar-se com as devidas ferramentas para evitar dissabores com os órgãos de controle externo, além do judiciário e terceiros interessados.

Conhecendo um pouco da formação ilibada da gestora municipal, por decerto consequente da herança reada por seu genitor e saudoso prefeito de Santarém, não guardo dúvidas de que as licitações e contratações da SEMINF foram estribadas nas recomendações do art. 3º, da Lei nº 8.666/93, que preceitua, verbis:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a istração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade istrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

Essas são as minhas considerações, amigo Jeso, tendo por base apenas a Lei nº 8.666/93 e a LC nº 123/06, não se reportando à legislação da modalidade licitatória “pregão”, “registro de preços” ou “credenciamento”; sujeitando-se as mesmas, a críticas, esclarecimentos, questionamentos, argumentos etc., dos que tenham interesse pela matéria e, sempre no intuito de colaborar com o conhecimento coletivo.

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* É santareno.


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