Dom Quixote, Camundongo Júnior e a turma do faz de conta. Por Paulo Cidmil

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Dom Quixote, Camundongo Júnior e a turma do faz de conta. Por Paulo Cidmil
Vista aérea do centro de Santarém. Foto: Juan Azevedo/Arquivo JC

Os absurdos que temos presenciado, executados pelo poder público ou em consequência de sua ausência,  são uma longa história de desprezo pelo o que é bem coletivo e  apreço pelo privado.

Por aqui, os homens do poder, ou que gravitam em torno dele, olham para o público, em especial as terras,  e devem pensar: vou me apropriar antes que outro o faça, se é público é meu.  É de quem chegar primeiro. E se não pode ser apropriado, abandonado está, só olhar as áreas públicas de lazer.

— LEIA também de Cidmil: Políticos, saúvas e cupins.

Essa inversão de valores tem promovido o desaparecimento de espaços de lazer comunitário e aviltado a paisagem antes bucólica, hoje em processo degenerativo.

As praias urbanas, outrora grande área de lazer, são um exemplo. A Coroa de Areia,  imensa faixa de areia fina e branca que  surgia a cada verão nas imediações onde hoje é a praça Tiradentes  e adentrava o rio acima por mais de 300 metros, começou a ser destruída por um afortunado que ganhou na loteria e adquiriu potentes caminhões caçamba.

Por vários verões, retirou com elas milhares de toneladas de areia para a construção civil, sem ser importunado pelo poder público. Na sequência vem a Vera Paz, a Maracanã do Povão até os anos de 1970. Sofreu o primeiro ataque com a construção do porto das Docas. E o tiro de misericórdia veio com a construção do porto da Cargill, obra prima de Lira Maia/Alexandre Von e que levou junto um importante sítio arqueológico. E colocou um monstrengo obstruindo a visão do por do sol.

Logo adiante, após onde hoje é a Ufopa, havia uma bucólica praia cheia de cajueiros de nome Maracangalha, a área transformou-se em propriedades e a praia desapareceu entre portos e residências. De certa forma foi privatizada.

A seguir vem o lago do Mapiri, onde desagua o igarapé do Irurá, que ao longo de seu curso sofre todo tipo de agressão e já foi local de despejo dos resíduos tóxicos da Coca-Cola.

O lago, que pode ser um potencial atrativo turístico, é um microssistema de várzea dentro do centro urbano e habitat de pássaros, peixes, espécies vegetais e vida selvagem. Virou um estacionamento de barcos e continua recebendo todo tipo de agressão em forma de esgoto em seu entorno.

Na sequencia vem a grande obra de Nélio Aguiar, a  marca de seu governo. Um viaduto sobre a praia do Maracanã que dispensa apresentação. Essa é a melhor síntese do que pensa Nélio sobre desenvolvimento e bem estar social.

Seguindo nossa caminhada chegamos ao antes paradisíaco e piscoso  lago do Juá,  hoje assoreado. invadido por toneladas de barro e lama. Essa é uma herança de Maria do Carmo.

O lago  foi vítima de duas ações de governo. A falta de planejamento que não previu o caminho do barro, no período das chuvas, da área desmatada para implantar o residencial Salvação e principalmente o loteamento da Buriti.

Hoje, o lago do Juá sofre com ocupação desordenada no seu entorno. Uma indústria de apropriação de terras com nome e comando. Prática que começou a prosperar no Tapajós na istração Lira Maia.   

Essa sofisticada engenharia social chega por aqui importada do Nordeste. Usam os migrantes como bucha, concretizado o loteamento em pouco tempo os proprietários serão outros. E assim, a população vai sendo vilipendiada e expropriada do que seria o bem comum.

A cidade possui um plano diretor que não previu ruas e logradouros públicos para dar o as praias. Do Pajuçara a Ponta de Pedras, até a orla esta privatizada, todos os bacanas são proprietários de um pedaço de praia. O povo ficou fora da festa, são os desafortunados.    

Agora, o governo Nélio  tem na manga outra aberração. A orla de Ponta de Pedras. Por lá não tem escola adequada, não tem posto de saúde, não tem estrada pavimentada ligando à rodovia Everaldo Martins, não tem planejamento para o desenvolvimento turístico que pense toda a cadeia produtiva em seu entorno, não tem uma política de apoio e financiamento aos comunitários empreendedores, que às duras penas oferecem serviços e mantém vivo o destino turístico.

O projeto Orla de Ponta de  Pedras está linkado a projeto de uma estrada hoje denominada Interpraias, estrada que irá produzir enorme especulação sobre a terra. Será um inferno na vida de muitos comunitários sem o título definitivo de propriedade.

Favorece a especuladores, a loteamentos empresariais, e mais desmatamento. Não traz no seu objeto  investimentos na vida comunitária da população de Ponta de Pedras e nem de outras comunidades ao longo da estrada.

Nem escola, nem posto de saúde, nem centro comunitário, nem transporte, nem programa de incentivo ao desenvolvimento econômico dos empreendedores, nem programa de regularização fundiária aos posseiros.

E, pasmem!, não prevê recursos para a construção de 13 boxes que eles chamam de barracas/restaurantes, e que não contempla a estética regional. Esses boxes deverão ser construídos pelos próprios empreendedores de Ponta de Pedras.

Esse coelho que plantaram na cartola do Nélio Aguiar, que agora ele oferece como investimento na comunidade,  tem cara de piranha, olhar de jacaré e braços de Mapiguari.

Os comunitários que não caiam nessas águas. E não vendam um centímetro de terra, elas estarão valendo dez vezes mais em cinco anos.

Na raiz desse ar paralisante que todos respiramos, está a atuação  desprovida de idealismo e espírito público que acomete os políticos.

Mentem, e a população sabe que mentem. O que a grande maioria quer é aderir ao poder, agasalhar sua corriola no serviço público e dispor de um pedaço do poder, para desse espaço gerir seus próprios interesses.

Um fato exemplar desse comportamento, fita adesiva dupla face, foi a adesão imediata que candidatos derrotados empenharam a Nélio Aguiar, ao perceberem que o apoio de Helder definiria a eleição a favor dele.

Não se discutiu programa de governo, não se colocou na mesa questões éticas, não se elencou prioridades. E a montagem do governo mostrou que a adesão tinha o preço de um naco.

Emblemático foi o caso do mais agressivo adversário de Nélio na campanha. Um antes intrépido, agora manso vendedor de pão,  o pão mais caro da cidade,  buscou um lugar quentinho, com direito a uma secretaria no colinho de Nélio Aguiar.

O  Poder Legislativo há muito deveria ter contido os desvios de finalidade e o ímpeto de fazerem besteira que acomete os prefeitos,  impondo ao Executivo legislação que restringe ações de governo sem um devido rito democrático, exigindo ampla divulgação e a participação  popular, dos conselhos, do ministério publico e órgãos de licenciamento ambiental e do patrimônio histórico, seja material ou imaterial.

Não é possível uma intervenção na cidade como a ocorrida na praia do Maracanã e praça Rodrigues dos Santos sem uma ampla discussão. É preciso que entidades e instituições da sociedade civil se mexam, como fez o IHGT,  uma vez que o legislativo é omisso e aderente ao samba canção do prefeito.

Que silêncio perturbador de nosso sono é esse da Câmara Municipal? Que amor incondicional  sente o fiscal por quem deveria ser fiscalizado!

Nélio Aguiar nada de braçada sob céu de brigadeiro e o cortejo legislativo diz amém. Mudam os personagens, mas a reza é a mesma e a cada legislatura, piora a performance e aumenta a adesão.

Fosse eu escrever uma fábula triste, sobre um reino assolado por maldades, onde personagens de ficção parecem com os que encontramos na vida real, teria matéria prima nessa casa de tolerância.

Por lá transitam sob a batuta de Camundongo Junior, os Guaribas Gulosos do Planalto, as Piranhas Adestradas de rios e lagos, os Carcarás Famintos por mais, quase donos da cidade, a Barbie Engomada, os Dá Cá Meu Dízimo e a turma do faz de conta que fazem bonitos discursos para a plateia e nas comissões são mansos e dizem amém.

Há apenas dois personagens movendo moinhos de vento, fazendo o que de fato é o seu trabalho, fiscalizar os feitos e maus feitos do rei. Dom Quixote que esbraveja sua revolta pelas  redes sociais e Penélope Charmosa, com uma agenda propositiva,  defende dignidade aos seus.

A mobilização que ocorreu para conter o vandalismo oficial que se abateu sobre a praça Rodrigues dos Santos, nos sinaliza um caminho de resistência para inverter a lógica de expropriação e abandono do bem comum e espaços comunitários.

Novo projeto arquitetônico na praia do Maracanã, em Santarém. Foto: PMS

Nos mostra a necessidade de excluir da política pessoas sem espírito público, sem compromissos com o bem estar da coletividade e que fazem do cargo um trampolim para seus êxitos pessoais.

Apáticos como se encontram os movimentos populares, dispersos em várias frentes, pois são muitas as agressões ao ambiente, ao erário público e a dignidade humana, o povo sequer tem reconhecida sua cidadania.

Esta difícil vencer essa hidra de vários cabeças e mil tentáculos. Encontrar eco para as denúncias, que são muitas, justas e diversas.

Unir forças para mudar o destino da praça Rodrigues dos Santos pode ser  ponto de partida para mudar o quadro de apatia que paralisa a população.

Ela simboliza o que nos tem sido dado como política pública. Desconheço praça no mundo com estacionamento de automóveis em seu interior. Como brincar com crianças em um  lugar assim?

Abandonada por Lira Maia, abandonada por Maria, desprezada por Alexandre que viveu em frente a ela e dizia gostar de praças, mas dessa se esqueceu.

Agora aparece um vândalo conhecido como Nélio, que nunca gostou de praças, mandou derrubar as mangueiras, para colocar sob sol quente um shopping de camelô.

Mas o que cabe nessa praça, que mal pergunte ao senhor? Cabem mangueiras, palmeiras, ipês de várias matizes e frondosas sapupiras. Alguns pés de seringueiras, milhares de nordestinos, todos vitoriosas nas terras do Tapajós.

Onde há asfalto será grama,  com calçadão aos pedestres, tudo bem iluminado, informação ao turista e guarda municipal. Carros só os de pipoca, algodão doce e pupunha. Beijos de moça não faltam, doces de murici, cupuaçu e pamonha

Ocas bem construídas e praça de alimentação  vendendo a gastronomia das terras do Grão Pará, açaí com boa farinha, sorvetes da região  e tudo que vem do nordeste em vasta degustação.

No centro dessa aldeia, Nurandaluguaburabara altivo em seu pedestal, e um preto Antônio sem forca ao lado de Bettendorf com o semblante abismado ao ver tanta exuberância de vida, alegria e cor.

 Assim como na chegada do branco Pedro Teixeira, agora ela retomada, viva, revigorada sua aldeia reinventada sobre a terra preta sagrada, onde repousa a história, morada dos seus ancestrais

Cabem crianças em parquinho,  com balanços e  carrossel. Gangorras estilizadas como se fossem animais e sequencia de escorregas, com  pula-pula, sobe-desce, a infância preservada, o futuro é de apogeu

Mamães e papais praticam exercícios aeróbicos,  utilizando aparelhos, também presentes em outros parques, como parte de um programa, implantado na cidade, de nome cuide-se agora, o faço depois já morreu.   

Entrevista: 6 perguntas. Paulo Cidmil fala sobre arigós, Nélio e o barulho feito por seu artigo.

Jovens e adolescentes em uma pista de skate fazem manobras iradas, backside, ollie, 360. Enquanto aguardam espetáculo, dos artistas da cidade,  em anfiteatro moderno, com amplo e bonito palco de nome Sebastião.

Em suas paredes cabe a história desde a ancestralidade, rememorando a aldeia em painéis memorial, a saga dos que chegaram e edificaram a cidade, assim, desse dia em diante, ninguém lembrar que esqueceu.

Nesse espaço de memória,  civilidade e lazer não cabe mais a tristeza, só a lembrança de outrora, que o poeta escreveu.

E Paulo Rodrigues dos Santos do alto de sua calçada, dando gostosas risadas, contemplando a paisagem, o alvoroço no parque e a velha tranquilidade da Pérola encantada que agora renasceu.

<strong>Paulo Cidmil</strong>
Paulo Cidmil

É diretor de produção artística e ativista cultural. Santareno, escreve regularmente no portal JC.


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